A questão da divisão da herança entre irmãos levanta debates acalorados, especialmente quando apenas um dos filhos assume a árdua tarefa de cuidar dos pais em seus momentos mais vulneráveis. Será que este filho, que dedicou tempo, amor e esforço para garantir o bem-estar dos pais, merece uma fatia maior da herança em comparação aos irmãos que não tiveram a mesma responsabilidade?
Frequentemente, o filho que assume o papel de cuidador é subestimado pelos demais, enfrentando situações desconfortáveis como conversas paralelas, comentários indiretos e até mesmo solicitações e/ou ações judiciais de prestação de contas, especialmente quando o idoso recebe benefícios, como aposentadoria, ou tem rendimentos provenientes de aluguéis ou pagamentos parcelados de previdência privada.
Deste modo, vamos supor que haja uma família com três irmãos, cujo pai é falecido e a mãe enfrenta vários problemas de saúde. Apenas um dos filhos esteve ao lado da mãe em seus últimos anos de vida, enquanto os outros dois mantiveram suas profissões e seguiriam suas vidas em outras cidades. Caso fosse de sua vontade, a mãe poderia doar uma maior parte da herança para este filho que se dedicou aos cuidados dessa mãe?
A resposta curta é: não necessariamente. A legislação brasileira estabelece a legítima, uma parcela indisponível da herança que deve ser reservada aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro), prezando a igualdade entre herdeiros. A legítima não contempla a dedicação e o sacrifício do filho cuidador. Isso significa que, independentemente de quem cuidou mais ou menos dos pais, todos os herdeiros têm os mesmos direitos. Porém, a vida real apresenta situações complexas, existindo algumas exceções e estratégias que podem ser adotadas.
Planejamento Familiar: Uma Solução Preventiva
O presente texto visa analisar, sob a ótica jurídica, a possibilidade de recompensar o filho cuidador na divisão da herança. Embora a lei preze pela igualdade, a dedicação ao cuidado dos pais tem um valor emocional e, por vezes, financeiro, que muitos pais, em vida, desejam reconhecer e agradecer ao filho, pois este pode ter abdicado de oportunidades profissionais, vida social e até mesmo enfrentado desgaste físico e mental.
Neste caso, SIM! Um pai ou uma mãe PODE destinar uma parte maior da herança para um dos filhos. Eles podem assim fazer desde que essa parte maior não ultrapasse 50% (cinquenta por cento) dos bens da herança, ou seja, a parte disponível dos bens. Isso pode ser feito EM VIDA e através de:
Testamento: Através de um testamento, os pais podem explicitar sua vontade de beneficiar o filho cuidador, desde que respeite a legítima.
Doações em vida: Os pais podem adiantar a doação de parte do patrimônio ao filho cuidador.
A doação pode se dar de três formas, sendo a primeira como antecipação de legítima, hipótese em que o filho deverá trazer a doação à colação por ocasião do óbito do pai/mãe, para igualar o seu quinhão com aquele dos outros descendentes; Segunda, poderá ser uma doação dispensada da colação e, neste caso, deverá ser uma doação da parte disponível dos bens do doador, ou seja, limitada a 50% (cinquenta por cento) de seus bens; Terceira, doação remuneratória, onde os pais podem transferir a propriedade de um bem para o filho cuidador em troca dos serviços prestados, como o cuidado e a assistência.
Seguro de vida: Contratar um seguro de vida em nome do filho cuidador pode ser uma forma de compensação financeira.
Cuidar de pais idosos é um ato de amor, mas a questão financeira não deve ser negligenciada. Através do planejamento familiar, a consulta a um advogado especialista é fundamental. Um profissional experiente poderá analisar a situação específica da família, oferecer orientação jurídica precisa e auxiliar na elaboração de estratégias para garantir a divisão da herança de forma justa, encontrando soluções que honrem o amor e respeitem a lei.
Texto publicado pela Advogada Silvia Michele Montagnani, em 14 de março de 2024 no Jornal A Gazeta Regional